Vai prestar vestibular, concurso público ou está procurando emprego?

Dr. Tiago Faggioni Bachur 02/11/2025

Vai prestar vestibular, concurso público ou está procurando emprego?

(escrito por TIAGO FAGGIONI BACHUR. Advogado e Professor de Direito. Autor de obras jurídicas)

 

Muita gente perde oportunidades por pura falta de informação. Às vezes presta vestibular, concurso público ou procura emprego... Todavia, no lugar errado!

Ou seja, quase sempre está fazendo tudo certinho, estudando, se esforçando, mas continua fora do jogo porque ninguém contou uma coisa simples: talvez você já tenha direito a concorrer como pessoa com deficiência (PCD), e nem saiba disso.

Pois é. Enquanto muita gente acha que PCD é só o cadeirante, o cego ou o surdo, a realidade é bem diferente. O conceito é muito mais amplo, e, sinceramente, se você acha que está “tudo bem” só porque anda sobre duas pernas, é melhor ler até o fim.

  1. A primeira barreira é a desinformação (e ela é alta)

Tem gente que acredita que só é PCD quem usa cadeira de rodas ou bengala. Enquanto isso, o sujeito que operou o joelho, carrega um pino no braço, sofre de depressão ou tem crise de ansiedade toda vez que precisa falar em público, continua achando que não “se enquadra”.

Acontece que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) deixou bem claro que deficiência não é apenas uma condição física ou sensorial. Ela é o resultado da combinação entre impedimentos de longo prazo e barreiras do ambiente, aquelas que dificultam a vida, o trabalho e os estudos em condições de igualdade.

Ou seja: o problema nem sempre está em você. Muitas vezes, o problema está no sistema que não te enxerga, não te acolhe e, de quebra, ainda te diz que você é “igual a todo mundo”.

  1. “Ah, mas eu não sou deficiente...” Será mesmo?

Vamos lá, só para ver se você muda de ideia:

  • Sofre de bursite, tendinite, LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e sente dor até para digitar ou escrever por muito tempo?
  • Tem ansiedade, depressão ou síndrome do pânico que atrapalham sua rotina, seus estudos ou seu trabalho?
  • Passou por uma cirurgia e ficou com placas, pinos, parafusos no corpo? Ou, ainda, possui próteses, órteses ou sequelas de acidentes, mesmo que não esteja “imobilizado”?
  • Possui visão monocular, perda auditiva (ainda que parcial), ou alguma sequela ortopédica, reumatológica ou neurológica?
  • Tem uma doença crônica (como diabetes, fibromialgia, epilepsia, cardiopatias ou esclerose múltipla) que exige tratamento contínuo e limita algumas atividades?

 

Essas condições, ainda que não sejam visíveis, podem gerar barreiras reais na vida acadêmica e profissional. E é justamente para eliminar essas barreiras que a lei assegura vagas, adaptações e garantias de igualdade de oportunidades.

Em outras palavras, talvez você seja PCD e ainda não tenha se dado conta.
E sabe o que é pior? Muita gente passa a vida lutando por oportunidades iguais, sem perceber que já tinha direito a uma vaga reservada por lei.

  1. Deficiência não é incapacidade (e muito menos preguiça)

Alguns ainda acham que “deficiente” é sinônimo de “incapaz”.

Não é.

A LBI é clara, a pessoa com deficiência pode e deve participar plenamente da vida social, estudar, trabalhar e crescer profissionalmente. A deficiência, nesse contexto, não tira o seu potencial, só obriga o Estado e a sociedade a removerem os obstáculos que te atrapalham.

Então, se você está estudando para um vestibular, se preparando para um concurso ou tentando uma vaga em empresa de grande porte, saiba: existem vagas reservadas por lei e garantias de igualdade de condições. Mas, claro, há um detalhe: é preciso provar a condição.

  1. O que a lei realmente diz sobre vagas para pessoas com deficiência

Certamente você já viu em grandes redes de lojas, supermercados ou indústrias um cartaz dizendo algo como “Estamos contratando pessoas com deficiência.”

Muita gente acredita que isso é fruto de “inclusão social”, de “empresas conscientes”, ou de “bondade corporativa”. Mas a verdade é um pouco menos poética e um pouco mais jurídica: elas estão apenas cumprindo a lei, e evitando multas pesadas.

A chamada Lei de Cotas (art. 93 da Lei nº 8.213/1991) obriga toda empresa com 100 ou mais empregados a destinar de 2% a 5% das vagas a pessoas com deficiência. A proporção aumenta conforme o número de funcionários:

  • 2% para empresas com até 200 empregados,
  • 3% até 500,
  • 4% até 1.000,
  • e 5% acima disso.

Ou seja, quanto maior a empresa, maior o dever de incluir. E quando não cumpre? Simples: multa administrativa, fiscalização do Ministério do Trabalho e, em alguns casos, ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Em outras palavras, não é favor, é obrigação legal. A empresa não está “dando oportunidade”, está garantindo o que a Constituição manda: igualdade material e efetiva. E, se descumpre, paga caro.

  1. Nos concursos públicos: cotas, isenção e acessibilidade

O Decreto nº 9.508/2018 e a Constituição Federal (art. 37, VIII) determinam o acesso de pessoas com deficiência em concursos públicos, garantindo reserva mínima de 5% das vagas. Se o número não for exato, arredonda-se para cima, ou seja, a inclusão é prioridade.

Além disso, a Lei nº 13.146/2015 (LBI) determina que as provas e etapas devem ser adaptadas: tempo adicional, sala separada, prova ampliada, intérprete de Libras, leitor de prova, computador adaptado, entre outros ajustes que eliminem barreiras físicas, sensoriais e cognitivas.

E tem mais: vários editais preveem isenção de taxa de inscrição para pessoas com deficiência, justamente para garantir igualdade de condições desde o início. Afinal, de que adianta abrir vaga se o obstáculo já começa no boleto?

Mas, atenção: o candidato precisa comprovar a condição com documentos técnicos, laudos médicos atualizados e relatórios que descrevam o tipo de limitação e sua duração. Ou seja, não basta “dizer”, é preciso demonstrar juridicamente.

  1. Nos vestibulares: inclusão como dever constitucional

As universidades públicas e privadas também têm reserva de vagas e políticas de inclusão amparadas pela LBI e por normas do MEC. A legislação garante à pessoa com deficiência acesso à educação superior em igualdade de condições, com adaptações razoáveis e recursos de acessibilidade.

Isso significa que o candidato com deficiência pode:

  • Concorrer em vagas reservadas, nos mesmos moldes dos concursos,
  • Solicitar adaptação da prova (tamanho da letra, tempo adicional, local acessível),
  • E, se for impedido injustamente, recorrer ou acionar a Justiça.

Em suma: o direito à inclusão é amplo e tem respaldo em lei, decreto e Constituição. Quem sabe disso joga com as regras certas. Quem não sabe, continua perdendo espaço e achando que “não é pra mim.”

  1. Por que essa informação muda tudo?

Saber disso faz toda a diferença. Porque, quando você entra numa grande loja e vê o cartaz “estamos contratando pessoas com deficiência”, entenda: ali não está um favor social, mas um direito em ação.

E quando você vê um edital de concurso com cota especial, ou um vestibular com prova adaptada, lembre-se: isso existe porque alguém lutou e a lei garantiu. A dignidade se conquista assim, primeiro com luta, depois com lei e, só então, com respeito.

Portanto, da próxima vez que alguém disser “essas vagas são só pra quem tem deficiência grave”, sorria e responda: “Não, são pra quem tem direito. E quem conhece seus direitos sai na frente.”

  1. Quer ter direito? Então precisa provar.

Não adianta achar que é PCD. Achar não ganha causa. Achar não te coloca em lista especial. O que vale é provar, e com documentos.

É aí que entra o pulo do gato: muitos desses documentos já existem. Estão espalhados em laudos médicos antigos, exames do SUS, prontuários hospitalares, relatórios de reabilitação e até em documentos trabalhistas. Mas, como ninguém te contou isso antes, você continua achando que “não tem nada”.

Um advogado especialista de sua confiança, pode ajudar e apontar o caminho para essas provas.

Com a orientação certa e um pouco de paciência para lidar com a burocracia, dá para montar um dossiê sólido que demonstre a condição de PCD, sem precisar inventar nada. Tudo dentro da lei, com base em fatos, medicina e direito.

  1. E se o pedido for negado? (Infelizmente, acontece muito)

O indeferimento vem, você fica frustrado, e pronto: mais uma injustiça para sua coleção. Mas não desista.

O próprio Código de Processo Civil garante que ninguém pode ser impedido de buscar seus direitos. Se houver provas suficientes, é perfeitamente possível reverter a negativa na Justiça e garantir sua vaga, seu direito à cota, à adaptação de prova ou até à reclassificação no concurso.

E, sim, já houve muitas decisões favoráveis. O problema é que a maioria nem tenta. E quem não tenta, continua acreditando que “não é pra mim.”

  1. Informação: o remédio mais barato (e o mais esquecido)

Quantas pessoas com ansiedade severa perderam vestibulares porque não pediram adaptação? Quantos candidatos com prótese foram eliminados sem saber que poderiam concorrer por cota? Quantos trabalhadores com limitações reais se conformaram porque acharam que não se encaixavam?

Repita-se: informação é a diferença entre a derrota e a oportunidade. E, cá entre nós, ninguém te conta isso porque nem todo mundo tem interesse que você saiba.

A boa notícia é que a lei está do seu lado. Você só precisa de estratégia, e, claro, de alguém que saiba onde buscar os documentos certos, da forma certa, no momento certo.

  1. “Ah, mas isso não é privilégio?” Não, é justiça.

Ser reconhecido como pessoa com deficiência não é pedir favor. É exigir o que a Constituição garante: igualdade de oportunidades. Privilégio é concorrer em pé de desigualdade e achar que está tudo bem.

As cotas e adaptações não são vantagens. São ferramentas para equilibrar o jogo. Porque quem enfrenta barreiras físicas, mentais, emocionais ou sociais já está, naturalmente, um passo atrás.

Então, da próxima vez que alguém disser “mas você nem parece deficiente”, sorria e responda: “que bom, é sinal de que a minha limitação não define quem eu sou.”

  1. Conclusão: o direito é seu. Só falta você acreditar nisso.

Você que está lendo este texto pode ter, neste exato momento, uma limitação que a lei reconhece, mas o sistema ignora. E a única coisa entre você e o seu direito pode ser informação e atitude.

Não é sobre ganhar vantagem. É sobre ser tratado com equidade, ter o mesmo ponto de partida, e não ser deixado para trás por causa de uma limitação que o mundo insiste em não ver.

Então, antes de desistir do vestibular, do concurso ou daquela vaga dos sonhos, pare e reflita: será que você não está abrindo mão de um direito só porque ninguém te contou que ele existia?

Pense nisso. E, se ficar na dúvida, procure um advogado especialista de sua confiança. Porque, no fim das contas, o que você precisa não é sorte, é estratégia jurídica e conhecimento. Se precisar, busque orientação técnica especializada para mapear e reunir as provas corretas.

Lembre-se: informação é poder. E no mundo jurídico, quem sabe, sai na frente, com dignidade, com base legal.

 

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Publicado em 02.11.2025 no site Bachur Advogados (disponível em www.bachuradvogados.com.br), no Blog “Tenho Direito Doutor?” (disponível em https://bachuradvogados.com.br/blog/artigo/p/153),  no "Álbum de Dicas do Dr. Tiago Faggioni Bachur" do Facebook (disponível em https://www.facebook.com/media/set/?set=a.6599692126713770&type=3) e “Portal GCN-Sampi” na coluna “Opinião” (disponível em https://sampi.net.br/franca/categoria/id/398/tiago-bachur). 

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