
7 de Setembro, julgamento e INSS: símbolos e direitos que não podem ser sequestrados
(escrito por TIAGO FAGGIONI BACHUR. Advogado, Professor Especialista em Direito Previdenciário e Autor de Obras Jurídicas)
Quando chega o 7 de setembro, lembramos do grito da independência, da bandeira hasteada, dos desfiles escolares. Um símbolo nacional que deveria unir todos os brasileiros. Mas, nos últimos anos, essa data parece ter virado objeto de disputa: cada grupo político tenta puxar o feriado para si, como se pudesse colocar uma placa de “propriedade privada” em cima da Independência do Brasil.
Inicialmente (e até para evitar qualquer bate-boca ou confusão), precisamos esclarecer que este texto não tem qualquer viés partidário. Não se trata de defender ou atacar A ou B, governo atual ou passado. O objetivo é refletir sobre fatos que afetam a vida de todos os brasileiros (como nossos símbolos nacionais, nossas instituições e nossos direitos sociais), que não pertencem a partidos, mas ao povo.
E o curioso é que essa mesma lógica de apropriação de símbolos coletivos aparece em outros cenários atuais: no julgamento de Jair Bolsonaro no STF, que mexe com a democracia, e na fraude bilionária no INSS, investigada pela CPMI, que atingiu milhões de aposentados. Em todos esses casos, aquilo que deveria ser de todos (justiça, previdência, símbolos nacionais) acaba transformado em arma de narrativa política.
O julgamento: processo ou jogo de torcida?
No Supremo, ministros analisam acusações sérias contra Bolsonaro e outros réus. O problema é que, em vez de enxergarmos esse processo como um exercício de justiça, parte da sociedade o trata como se fosse espetáculo de arquibancada: uns gritam “defesa da democracia!”, outros respondem “perseguição política!”.
E aqui está o perigo. Quando a Justiça passa a ser lida como jogo de torcida, a confiança nas instituições se esfarela. Se o resultado agrada, aplaudimos. Se desagrada, chamamos de injustiça. Nesse cenário, ninguém acredita mais em regras, apenas em vitórias do próprio time.
O impacto disso no dia a dia é direto: cria-se um ambiente de insegurança, onde cada decisão judicial é relativizada. Quem perde é sempre vítima, quem ganha é sempre herói. Só que justiça não é campeonato. Não deveria ter “placar no intervalo” nem torcida organizada nas redes sociais.
Se a sociedade começar a enxergar tribunais como estádios, o risco é alto: a lei deixa de ser referência comum e passa a ser mero detalhe. E, sem lei que todos respeitem, o que sobra é o caos — o tipo de ambiente em que nem direitos sociais básicos, como a aposentadoria ou o benefício do INSS, estariam a salvo.
A fraude no INSS: tragédia com cara de piada
Enquanto isso, milhões de aposentados e pensionistas descobriram descontos misteriosos em seus benefícios. O escândalo já soma bilhões de reais desviados. É revoltante. Estamos falando de pessoas que trabalharam 30, 35 anos (ou mais), contribuindo religiosamente, confiando que, na velhice, teriam uma renda segura para manter o básico: remédios, contas de luz, alimentos.
E, na hora de receber o que é de direito, aparece no extrato um desconto que nunca foi autorizado.
Se não fosse tão grave, daria até para rir. Parece piada pronta: o cidadão contribui a vida inteira para ter tranquilidade e, no fim, ainda banca, sem saber, convênios suspeitos. É a inversão total da lógica da Previdência: em vez de proteção, fraude; em vez de segurança, insegurança.
E o pior? Em vez de unidade para corrigir o problema, vemos a mesma cena de sempre: um jogo de empurra entre polos políticos. Uns dizem “a culpa é do governo passado”, outros retrucam “explodiu no governo atual”. No meio desse cabo de guerra, quem sofre é sempre o mesmo: o aposentado, que muitas vezes precisa escolher entre pagar a conta de luz ou comprar os remédios do mês.
Aliás, para tentar acalmar os ânimos, nossos governantes prometem ressarcir os prejuízos causados pelos bandidos que roubaram dos beneficiários do INSS. Mas adivinhe com qual dinheiro? Com o próprio bolso do contribuinte, via cofres públicos. Ou seja: quem já foi vítima paga a conta de novo.
E os envolvidos nas fraudes? Serão cenas do próximo capítulo dessa novela de acusações mútuas, em que todos apontam o dedo, mas poucos assumem responsabilidade.
O paralelo das duas independências
Vale aqui uma reflexão importante. O 7 de setembro simboliza a independência política do Brasil: o momento em que o país rompeu com a tutela de outro Estado e passou a decidir seus próprios caminhos. A aposentadoria, por sua vez, deveria simbolizar a independência financeira do trabalhador: o instante em que, após décadas de esforço, ele conquista o direito de viver com dignidade, sem depender de favores ou da boa vontade alheia.
Ambas são conquistas coletivas, ambas são marcos de dignidade. Só que, na prática, estamos vendo o oposto:
- Um feriado nacional sequestrado por narrativas políticas.
- Um julgamento transformado em ringue, com torcida organizada em vez de confiança institucional.
- Um sistema previdenciário fraudado em bilhões, tirando de quem menos pode se defender.
E então surge a pergunta inevitável: será que ainda sabemos a diferença entre independência e apropriação?
Porque, se símbolos e direitos viram moeda de disputa, corremos o risco de trocar liberdade por manipulação (e dignidade por frustração).
Repita-se: o 7 de setembro, o STF e o INSS não pertencem a partidos ou líderes. São instituições e símbolos do povo brasileiro. Eles só fazem sentido se forem vistos como patrimônio coletivo.
- A Justiça não pode ser torcida organizada.
- A Previdência não pode ser moeda de disputa.
- O feriado da Independência não pode ser bandeira de facção.
Quando esquecemos isso, corremos o risco de trocar independência por dependência... Dependência de narrativas prontas, de paixões cegas, de discursos que não colocam comida na mesa e nem devolvem dignidade a quem teve o benefício fraudado.
Conclusão
Independência não é um grito em palanque nem um desfile de discursos inflamados. É algo bem mais simples (e ao mesmo tempo muito mais profundo): é garantir que o aposentado receba o benefício inteiro, que a Justiça decida com confiança e imparcialidade, que o 7 de setembro seja lembrado como data de união, e não de divisão.
Símbolos e instituições não foram feitos para servir a partidos ou líderes. Foram feitos para servir ao povo. E quando esquecemos isso, perdemos todos: perdemos dignidade, perdemos segurança, perdemos a chance de construir um país verdadeiramente independente.
Porque, no fim das contas, independência não é sobre o passado que celebramos, mas sobre o futuro que decidimos construir juntos.
Independência não mora em palanques; mora na dignidade de cada cidadão. Só há independência real quando o povo deixa de ser espectador e volta a ser protagonista.
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Publicado em 07.09.2025 no site Bachur Advogados (disponível em www.bachuradvogados.com.br), no Blog “Tenho Direito Doutor?” (disponível em https://bachuradvogados.com.br/blog/artigo/p/145), no "Álbum de Dicas do Dr. Tiago Faggioni Bachur" do Facebook (disponível em https://www.facebook.com/media/set/?set=a.6599692126713770&type=3) e “Portal GCN-Sampi” na coluna “Opinião” (disponível em https://sampi.net.br/franca/categoria/id/398/tiago-bachur).