A Aposentadoria Está Morrendo aos Poucos — E Quem Matou Não Foi Um Só

Dr. Tiago Faggioni Bachur 22/06/2025

A Aposentadoria Está Morrendo aos Poucos — E Quem Matou Não Foi Um Só

Por Tiago Faggioni Bachur – Advogado Previdenciarista, Professor e Especialista em Direito Previdenciário. Autor de Obras Jurídicas

Comece refletindo comigo:

Você trabalhou décadas. Cumpriu sua parte. Pagou o INSS todo mês — no holerite, no carnê, no suor da sua profissão. E agora, na hora que precisa, a Previdência vira as costas, corta, nega, protela ou impõe barreiras burocráticas. E ainda tem ministro chamando isso de “indústria de liminares”.

Será mesmo que o problema está em quem recorre à Justiça por um direito básico... Ou está em quem vem desmantelando esse sistema há mais de 30 anos?

Essa reflexão é urgente. Porque o que está acontecendo hoje com os benefícios do INSS não é um fato isolado, não é culpa de um único governo, não é polarização. É um projeto contínuo, de décadas, que sangra a Previdência Social – não financeiramente, mas moralmente.

Os fatos mais recentes: um ataque disfarçado de “controle”

A tal “indústria de liminares” no BPC

Em matéria publicada recentemente pela Folha de S. Paulo (vide em https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/06/justica-avanca-sobre-bpc-e-e-responsavel-por-um-terco-das-concessoes.shtml), o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, critica as decisões judiciais que concedem o BPC (Benefício de Prestação Continuada) mesmo quando o cidadão, segundo o governo, não se encaixa tecnicamente nos critérios. Em outras palavras, o governo diz que a Justiça está "ajudando demais" o pobre.

Abre-se um parêntese aqui: o BPC é um benefício assistencial, gerido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), no valor de um salário-mínimo, pago para idosos com mais de 65 anos de idade ou pessoas com deficiência ou incapazes de trabalhar, que vivem em situação de vulnerabilidade, isto é, com renda familiar baixa. Não é necessário ter contribuído para os cofres do governo para fazer jus ao benefício, bastando ter cumpridos os requisitos.

Agora, pare e pense comigo: por que o número de liminares só cresce na Justiça? Porque o sistema administrativo do INSS não funciona. Os critérios de miserabilidade estão desatualizados, muitas vezes injustos, e ignoram a realidade de quem vive com pouco mais de um quarto do salário-mínimo por mês (isto é, menos de R$ 379,50 atualmente, critério definido por pessoa, para caracterizar a baixa renda familiar pela Previdência Social para dar direito ao BPC).

 

A nova MP 1.303/2025 e o corte no Atestmed

Outra medida recente, publicada em 11/06/2025, limitou o auxílio-doença concedido com atestado médico (Atestmed) a apenas 30 dias. No último dia 18/06/2025, foi publicada no Diário Oficial da União, a Portaria Conjunta MPS/INSS nº 60/2025, ampliando o prazo da referida Medida Provisória, excepcionalmente, para 60 dias.

Em outras palavras, antes de 11/06/2025, o segurado poderia apresentar documentos médicos via aplicativo “Meu INSS”, por exemplo, para ser avaliado pelo perito, que poderia ser concedido o respectivo benefício por até 180 dias. Ou seja, a análise era feita apenas pelos documentos e apenas se o perito entendesse que precisaria de maiores esclarecimentos, poderia agendar o comparecimento presencial. Agora, depois de um mês (ou dois), o trabalhador precisa se submeter a uma perícia do INSS — mesmo com laudo médico particular ou do SUS. Nesse intervalo, corre o risco de ficar sem receber da Previdência e do empregador.

O governo disse que é para “melhorar a fiscalização” e “substituir o aumento do IOF”. Traduzindo: não quiseram mexer com o sistema bancário… então tiraram do doente.

É justo isso? O Brasil tem fila de espera de meses para perícia médica! E o trabalhador, que não consegue trabalhar, vai viver de quê nesse meio tempo?

 

Isso não começou agora — e não termina aqui

Vamos fazer uma retrospectiva? Para entender como chegamos até esse caos, precisamos olhar para trás. Eu, Tiago, acompanho isso há tempos. E posso garantir: nenhum governo, de nenhum lado, poupou os aposentados. TODOS (sem exceção) cortaram. TODOS prometeram e fizeram o contrário.

 

- Fernando Collor (1990–1992)

  • Confisco das poupanças e impactos na Previdência: o Plano Collor confiscou saldos de depósitos por 18 meses e, paralelamente, instituiu a DRU (Desvinculação automática das Receitas da União), desde 1990, retirando recursos essenciais da Previdência.
  • Tentativa de universalização e teto: o governo via proposta de emenda constitucional de 1991 visava unificar regimes previdenciários e fixar teto, o que só veio a ser redefinido em 1995.

- Itamar Franco (1992–1994)

  • Reajustes insuficientes: a correção das aposentadorias ficou abaixo da inflação, degradando o poder aquisitivo dos beneficiários.
  • EC 3/1993: instituiu caráter contributivo para servidores, ao impor que aposentadorias e pensões sejam financiadas por contribuições.

- Fernando Henrique Cardoso (1995–2002)

  • Emenda Constitucional 20/1998: extinguiu a aposentadoria proporcional, instituiu tempo de contribuição sobre idade mínima, impôs 35 anos (homens) e 30 anos (mulheres).
  • Fator previdenciário: criou índice que reduziu drasticamente o valor emações tardias.
  • Fomentou previdência privada, apresentando-a como "complemento ao sistema público".

- Lula (2003–2010)

  • Manteve fator previdenciário e teto da EC 20.
  • Emendas 41/2003 e 47/2005: afetaram servidores — exigência de 35/30 anos somados a idade, contribuições de pensionistas acima do teto; introdução de regras 85/95 começando em 2005, mas com transições até 2027.
  • BPC reajustado com atraso, sem compensar erosão inflacionária causada por lacunas longas.

- Dilma Rousseff (2011–2016)

  • Cadastro Único e critérios de renda: mais seletividade para acesso ao BPC.
  • Introdução do sistema de pontuação 85/95 em 2015, permitindo aposentadorias sem fator, mas com regras progressivas.
  • Alterações em pensão por morte e auxílio-doença, limitando prazos e valores por idade do dependente; cortes dependendo de verificação de condutas irregulares.

????? Michel Temer (2016–2018)

  • PEC 287/2016, tentativa de reforma profunda — embora não aprovada — propôs idade mínima, extensão de tempo de contribuição para 40 anos, unificação de regras entre servidores e mercado privado.
  • PEC 55/95, congelamento de gastos da União por 20 anos, comprimiu orçamento da seguridade.

????? Jair Bolsonaro (2019–2022)

  • EC 103/2019: consolidou reformas antigas — idade mínima 65/62 anos, exigências de 15/20 anos, fim da aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição, com transições com pedágios.
  • Extinção completa da aposentadoria por tempo; aumento de carência (20 anos de contribuição para homens, 15 para mulheres); regras mais duras para professores e segurados rurais.

????? Lula (2023–atual)

  • Preservou integralmente a EC 103; limites estruturais mantidos.
  • Medidas administrativas recentes: MP 1.303/2025 limitando Atestmed a 30 dias; crítica à “indústria de liminares” no BPC, pressionando o Judiciário.

 

O problema não é esquerda ou direita – é o sistema

Você elege, vota, confia — e vem a frustração. Seja Collor pedindo “choque de gestão”, FHC apostando em “modernização” ou Lula com discurso social, o que se repete é a marcação de territórios e a manutenção de privilégios enquanto pulverizam direitos previdenciários.

O verdadeiro inimigo está no modus operandi: retirar ganho real, impor burocracias, desidratar benefícios e jogar a bomba fiscal nas costas dos menos favorecidos — com política de curto prazo, imediatista, ansiosa por fechar contas no livro.

 

A pergunta que não quer calar: Até quando o povo vai ser enganado por promessas de campanha que nunca se cumprem?

Todo candidato diz que vai proteger o aposentado.

Mas quando assume, corta, bloqueia, revisa, fiscaliza, “digitaliza”, dificulta.

E o povo? Fica na fila. Fica no limbo. Fica na Justiça. Fica doente. E fica sem benefício.

 

A saída? Informação e apoio técnico

O primeiro passo é acordar para essa realidade. E o segundo, é não enfrentar isso sozinho.

Porque hoje, no Brasil, quem não conhece seus direitos, não tem benefício.
E quem não tem um advogado previdenciário de confiança, corre sério risco de perder o que é seu por direito.

Você não precisa aceitar a injustiça calado. Você não está sozinho.

Em resumo:

  • Os governos não estão cortando “gastos”. Estão cortando vidas.
  • Não é “indústria de liminares”. É a única saída de quem foi abandonado pelo sistema.
  • TODOS os governos colaboraram com o desmonte — é preciso parar de cair em promessas.
  • Você precisa se proteger. Precisa estar um passo à frente.

Fica o nosso conselho:

Antes de dar entrada em qualquer pedido no INSS, procure orientação de um advogado especialista. Um erro no protocolo pode custar anos de vida e dignidade.

E se seu benefício foi cortado, negado ou cessado, não aceite passivamente. Busque seus direitos.

Porque só quem vive a angústia de depender da Previdência sabe o que é rezar para o benefício cair até o quinto dia útil.

A Previdência Social não pode ser vista como “gasto”.
Ela é proteção. Ela é dignidade. Ela é o que permite o povo envelhecer com respeito.

E se ninguém mais vai dizer isso em voz alta, eu digo. Lutemos todos por isso.

 

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Publicado em 22.06.2025 no site Bachur Advogados (disponível em www.bachuradvogados.com.br), no Blog “Tenho Direito Doutor?” (disponível em https://bachuradvogados.com.br/blog/artigo/p/134),  no "Álbum de Dicas do Dr. Tiago Faggioni Bachur" do Facebook (disponível em https://www.facebook.com/media/set/?set=a.6599692126713770&type=3 ) e “Portal GCN-Sampi” na coluna “Opinião” (disponível em https://sampi.net.br/franca/categoria/id/398/tiago-bachur). 

 

 

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