Bebês Reborn e o Reflexo nos Benefícios do INSS

Dr. Tiago Faggioni Bachur 25/05/2025

Bebês Reborn e o Reflexo nos Benefícios do INSS

(escrito por TIAGO FAGGIONI BACHUR. Advogado e Professor especialista em Direito Previdenciário. Autor de Obras Jurídicas).

 

Você já ouviu falar em gente que leva boneca ao hospital? Sabia que para muitos especialistas isso pode estar muito mais ligado à dor do que à loucura?

É fácil julgar o estranho. Um adulto segurando um bebê que, ao se aproximar, revela-se uma boneca de olhos fechados e pele perfeita, com roupas de recém-nascido, mamadeira na bolsa e até certidão de nascimento falsa. Para muitos, é apenas excentricidade. Para outros, um sinal claro de desequilíbrio. Mas para quem vive esse cenário por dentro, pode ser algo muito mais profundo: um pedido silencioso de ajuda.

O que parecia um modismo virou polêmica — e chegou às redes sociais, aos noticiários, ao Congresso Nacional e, agora, pode estar chegando à porta das agências do INSS. E o que fazer quando a linha entre o hobby e a dor se torna invisível?

  1. Afinal, o que são bebês reborn?

Bebês reborn são bonecos hiper-realistas, feitos de vinil ou silicone, pintados à mão e cuidadosamente confeccionados para se parecerem com bebês de verdade — inclusive com veias, dobrinhas, cabelo, cílios e peso corporal compatível com o de um recém-nascido.

Originalmente criados como peças de arte e itens de coleção, passaram a ocupar um espaço delicado na vida de muitas pessoas que vivenciam o luto, a solidão ou a frustração com a maternidade. E aí, algo muda: o boneco deixa de ser apenas objeto e passa a preencher um vazio emocional.

  1. Entre o afeto e o transtorno: quando o cuidado ultrapassa a realidade

Não há nada de errado em ter um bebê reborn. Assim como há quem colecione bonecos, trens ou gibis, há quem encontre conforto nesses pequenos “bebês de mentira”.

O problema começa quando o faz de conta vira rotina. Pessoas que:

  • Levam o bebê reborn a hospitais e pedem atendimento médico;
  • Exigem lugar preferencial em filas, ônibus e bancos;
  • Se afastam do trabalho por não conseguirem “deixar o bebê sozinho”;
  • Desenvolvem delírios, acreditando que a boneca é mesmo uma criança viva.

É aqui que os sinais se acendem — e o INSS pode ser chamado a intervir.

  1. Você se lembra do “Wilson”?

No filme Náufrago, estrelado por Tom Hanks, o protagonista se vê preso em uma ilha deserta por anos. Isolado do mundo, sem contato humano, ele encontra consolo emocional em uma simples bola de vôlei, à qual dá nome e personalidade: “Wilson”. A partir daí, conversa com ela, chora por ela e até arrisca a própria vida por ela.

Não era loucura. Era sobrevivência emocional.

Esse é um exemplo clássico — e comovente — de como o ser humano pode criar vínculos profundos com objetos inanimados quando exposto a experiências extremas de solidão, luto ou dor. Com os bebês reborn, para algumas pessoas, acontece algo parecido: o objeto vira símbolo de algo que faltou — ou foi perdido.

  1. O que o INSS tem a ver com isso? Mais do que você imagina.

Por mais estranho que pareça, o uso abusivo de bebês reborn pode revelar transtornos psiquiátricos sérios e incapacitantes, que podem interferir diretamente na vida profissional e funcional da pessoa.

Casos assim podem envolver benefícios como:

? Auxílio por Incapacidade Temporária (auxílio-doença)

Se o transtorno impede a pessoa de trabalhar (por exemplo, episódios de delírio, ansiedade severa, isolamento social), ela pode ter direito ao afastamento remunerado, mediante laudo psiquiátrico.

? Aposentadoria por Incapacidade Permanente (invalidez)

Nos quadros mais graves e irreversíveis, a aposentadoria por invalidez pode ser concedida. O uso do bebê reborn aqui não é o motivo do benefício, mas um reflexo da gravidade da doença mental.

? BPC/LOAS por deficiência

Pessoas sem contribuição ao INSS, mas que apresentam transtornos mentais graves e condição de vulnerabilidade social (renda familiar baixa), podem receber o Benefício de Prestação Continuada, no valor de um salário-mínimo por mês. Nesses casos, o bebê reborn pode ser visto como instrumento de avaliação pela assistência social e médica do INSS.

  1. Mas... isso é doença? Ou exagero?

Nem toda pessoa que tem ou cuida de um bebê reborn está doente. Mas quando esse vínculo passa a afetar a capacidade de trabalhar, de se relacionar, de distinguir o real do imaginário — estamos, sim, diante de uma possível patologia.

Psiquiatras e psicólogos já classificam quadros em que o bebê reborn surge como objeto de substituição emocional extrema, especialmente em:

  • Luto mal elaborado (como perda gestacional ou neonatal);
  • Transtorno de personalidade;
  • Depressão profunda;
  • Transtornos dissociativos.

E como o INSS exige laudos médicos e comprovação da incapacidade, é fundamental que a situação seja acompanhada por profissionais da saúde mental. Um bebê reborn que recebe leite, consulta médica e berço de verdade pode ser um sintoma de uma dor invisível — e isso, sim, precisa ser reconhecido e tratado.

  1. E quando há tentativa de fraude? O risco de fingir uma dor que não se sente

Infelizmente, há quem tente usar o bebê reborn como instrumento de fraude, buscando vantagens que são legalmente destinadas a crianças reais ou pessoas realmente incapacitadas. Casos como:

  • Solicitar atendimento preferencial em repartições públicas, alegando estar com “criança de colo”;
  • Levar o boneco a postos de saúde e exigir exames ou medicação;
  • Tentar inscrição em programas assistenciais ou até uso indevido em perícias do INSS, como se o vínculo com o bebê reborn fosse sinal de incapacidade.

Mais delicado ainda é quando alguém simula ter um transtorno psiquiátrico relacionado ao uso do boneco — tudo com o objetivo de receber um benefício por incapacidade ou até mesmo o BPC (LOAS).

Aqui, estamos diante de conduta criminosa, prevista no artigo 171 do Código Penal (estelionato contra a Previdência), e também passível de responsabilização civil e administrativa.

Mas é possível descobrir quem está fingindo?

Sim. E o INSS tem se tornado cada vez mais rigoroso nessas avaliações.

As perícias psiquiátricas realizadas para concessão de benefícios são conduzidas por médicos peritos capacitados, que utilizam:

  • Entrevistas clínicas estruturadas, onde são analisados relatos, comportamento, coerência de informações e reações emocionais;
  • Escalas diagnósticas padronizadas, como o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), Escala de Hamilton, entre outras;
  • Avaliação de histórico médico e laboral (medicações prescritas, internações anteriores, evolução clínica);
  • Análise do contexto familiar e social, muitas vezes em conjunto com o serviço social do INSS.

Além disso, o próprio comportamento do segurado no dia da perícia pode entregar sinais de simulação ou exagero (fenômeno chamado de malingering na literatura médica).

Peritos são treinados para identificar inconsistências, como por exemplo:

  • A pessoa afirma ter delírios, mas responde de forma lógica e articulada;
  • Diz que está em surto, mas se comporta com total consciência e domínio das respostas;
  • Demonstra sinais que não condizem com o quadro alegado (como uma depressão profunda com riso fácil e olhar firme).

Fraudar o INSS pode sair muito caro

Além da negativa do benefício, quem tenta enganar o sistema pode ser:

  • Multado administrativamente;
  • Obrigado a restituir valores indevidamente recebidos;
  • E até responder criminalmente por falsidade ideológica, estelionato e formação de quadrilha (em caso de envolvimento de terceiros, como médicos ou advogados).

A boa-fé é um dos princípios que norteiam o sistema previdenciário. O que é direito para muitos não pode virar um atalho para poucos.

  1. Conclusão: onde termina o boneco e começa o direito?

Vivemos tempos em que as dores emocionais tomam formas inesperadas. Para alguns, um bebê reborn pode ser apenas um hobby. Para outros, uma tentativa desesperada de resgatar algo que foi perdido. E para o Estado, pode ser tanto um sinal de sofrimento legítimo quanto de possível fraude.

O que não podemos fazer é ignorar a complexidade desses casos. O Direito Previdenciário, com toda sua tecnicidade, também é uma ponte para o cuidado humano. E o INSS, mais do que números e perícias, lida todos os dias com histórias de vida.

  1. Em caso de dúvida, procure um advogado previdenciarista de sua confiança.

A análise da incapacidade laboral, dos laudos médicos e da situação social exige conhecimento técnico e sensibilidade. Se você ou alguém próximo estiver passando por algo semelhante, não enfrente isso sozinho. Um bom profissional pode orientar não apenas sobre o que a lei permite, mas sobre o que a dignidade exige.

 

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Publicado em 25.05.2025 no site Bachur Advogados (disponível em www.bachuradvogados.com.br), no Blog “Tenho Direito Doutor?” (disponível em https://bachuradvogados.com.br/blog/artigo/p/130),  no "Álbum de Dicas do Dr. Tiago Faggioni Bachur" do Facebook (disponível em https://www.facebook.com/media/set/?set=a.6599692126713770&type=3 ) e “Portal GCN-Sampi” na coluna “Opinião” (disponível em https://sampi.net.br/franca/categoria/id/398/tiago-bachur). 

 

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